Saturday, May 20, 2006

EM AVER-O-MAR - SEAREIROS, trabalhadores da terra e do mar


(Reedição do texto publicado no jornal “O Comércio da Póvoa de Varzim” , em 27/7/1997)

Luta do povo que, de perto, sempre admirei.

Nos dias de hoje, espantem-se os filhos e netos, da luta pela vida daqueles com quem convivi nos meus tempos de menino e moço !

Eram então “Araus” nome com que os de cima, os lavradores, pretendiam depreciar os de baixo, os da orla marítima, que, trabalhando duramente a terra, mais arduamente ainda se lançavam no labor do mar.Todavia, não era nada depreciativo este epíteto, porquanto arau era uma palmípede marinha, vista frequentemente na praia , mergulhando para “pescar”. Por vingança, os Araus, chamavam “Suínos” aos outros. Esta fronteira foi-se diluindo e estes sarcasmos recíprocos fazem sorrir a gente de hoje. Muitos Araus eram ricos seareiros. E este sim, era o título que os enobrecia.

Seareiro, aqui, era o que fazia as suas próprias terras e, por vezes, ainda as dos outros e ia colher no mar o adubo que as fertilizava. Batata era a sua principal cultura e pilado (pequeno caranguejo) o fertilizante orgânico mais utilizado. O excedente era posto em feira, em pilhas ou montes, na praia de Fragosa. E, então, era ver o movimento, a azáfama dos lavradores das freguesias vizinhas e até dos concelhos de Famalicão e Barcelos, carreando o precioso enriquecedor da fertilidade dos seus lameiros e nabais.

Para arrancar da areia da praia para a estrada, de piso mais duro, os carros de bois, de grandes caniçadas, emprestavam eles uns aos outros os seus animais para dobrarem as juntas. E aí começavam, enérgicos, os apelos dos seus donos: Eh... Pisco!...Eh... Amarelo! Eh... boi lindo! Eh!... E os bois retesavam-se todos, num esforço danado.

A este afã em terra, outro labor no mar o excedia:
As companhas – de dois barcos de pilado ( espécie de pequenas lanchas) saiam, de madrugada , barra fora e, não raro rumavam à "beirada" ou a Cutinhais ( Vila Praia de Âncora) ou a Afife, quando nada havia nas "calas" de Esteiro e de Lagoa. E, se as águas não corressem, permitindo que as redes de saco arrastassem pelo fundo, em poucos lanços, enchiam os barcos. E, porque o alar das redes de saco se fazia à força de braço, os cabos limavam os calos das mãos que ficavam em carne viva. Se fazia calmaria, no regresso, a vela de nada servia e então, os barcos, com apenas um palmo de borda fora da água, eram movidos, ou melhor, arrastados a remo, num esforço dorido a que os próprios diziam “levar uma coça de remo”

Era assim, quotidianamente e durante uma época que começava no Verão e terminava nos princípios do Outono. Por vezes, o mar puxava de repente e, então, era a aflição do povo na praia perscrutando, no horizonte nebuloso, as companhas que da barra se aproximavam : “ Aí vêm os barões!... Aí vêm os Flores!... Está a chegar o tio Piloto!......Olha! aí vem o Pombal! E o Tio Rebelo!... O Doutor (Gueiral) não chega !. É sempre o mesmo teimoso !...Mas, Graças ao Senhor, ao cair da noite , tudo está a salvo. Era assim, naquele tempo em que o labor e a angústia se emparelhavam.

E eu sinto-me incapaz de traduzir, para aqui, a realidade que, da minha memória, jamais se apagará .

..............................................24/7/1997 ........ Dimas R. de Castro Maio

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