Friday, May 19, 2006

FIGURAS DE ESTILO - A IRONIA




A IRONIA DAS RUINAS em A ver-o-Mar
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Durante a lacuna na continuidade de minha colaboração para “o Comércio da Póvoa”, motivada por influências estranhas à minha vontade de cumprir, com dignidade, o compromisso, que a mim próprio me impus, da assiduidade semanal, vários foram os leitores amigos que me interrogaram sobre a hipótese de eu voltar aos temas de carácter literário. Confesso que fiquei agradavelmente surpreendido com esta solicitação, até pela superação do receio de me julgarem pretensioso, a querer dar lições aos meus “alunos”.

Mas, já agora, ganho alento para dizer que um periódico local, para além de sua estrutura de base que é o jornalismo de informação, mais ou menos pormenorizada ou crítica, mormente de eventos ou actividades locais, há-de ter em conta, não perifericamente, mas como uma mais valia, intimamente contígua, uma componente de cultura; aqui, serão de adequada importância algumas noções literárias. Assim se alarga e enriquece o espaço da sua acção sócio-cultural. Diria mais: é neste âmbito, assim alargado, que um Semanário condigno, mais categoricamente se afirma. Conclusivamente, leitura deverá conjugar-se com cultura
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Nos temas que trato, farei, quanto possível, uma aplicação prática das teorias ao que, de imediato, é de interesse dar como exemplo.

Reatarei também o desenvolvimento de outros temas, dentro da perspectiva ou o título que vinha encabeçando os meus textos e, mais abrangente, de “ o que está bem... o que está mal...” embora, de ora em diante, jamais expresso.
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I R O N I A , (definição) Ironia (do grego eironeía, simulação) figura de retórica com que se exprime o contrário do que as palavras naturalmente significam . Aquilo que representa contraste frisante com o que logicamente devia ser.Há ironia quando as palavras significam o contrário do que no íntimo pensamos, ou estão em desacordo com a realidade. Ex. – que belo tratante me saíste; és um óptimo filho, não há dúvida ! ( na realidade trata-se de alguém que não se comportou, como devia, com o pai)

(O contexto em que se fala ou escreve permite que, o ouvinte ou leitor, perceba o sentido do que se diz).

“A Ironia ,como atitude filosófica supõe um dualismo básico de mundividência que permite precisamente a simulação subtil de dizer uma coisa por outra . Em Sócrates a Ironia é uma espécie de docta ignorância, mais de malícia que de humildade sincera, desconfiança simulada nos próprios méritos; ignorância aparente que pergunta sabendo a resposta. “Só sei que nada sei”. Eis o que encerra, paradoxalmente, o fundamento de toda a sabedoria.
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I R O N I A, (exemplificação concreta) A Póvoa de Varzim, para orgulho dos seus naturais, faz o encantamento de quem pela primeira vez a visita e, em cada ano, por efeito dessa contagiosa sedução, se multiplicam os forasteiros para quem, também em cada época, se renovam e acrescentam os atractivos. Os mordomos, ao serviço da anfitriã, têm-se mostrado à altura do fidalgo acolhimento que sempre tem sido apanágio desta nobre Senhora do Mar.
A Póvoa estende-se em belíssimas praias para norte e, em Aver -o - Mar, a começar pela enseada natural da Lagoa, são as mais numerosas e ricas na diversidade.

Muito acertadamente, tem procedido a nossa Câmara em conservar-lhes o peculiar exotismo. Se fizesse nelas a tal “intervenção fantástica”, seria a fantasia dessa promessa, em tempo da campanha eleitoral que, a cumprir-se essa remota hipótese, as mascararia e tornaria irreconhecíveis. Ainda bem que houve um tempo de reflexão e se esmoreceu o ímpeto da Autarquia. Agora, por um novo período de acalmia, sosseguem os corações aflitos, que outra ameaça de melhoramentos paisagísticos que provocariam a descaracterização destas românticas enseadas “onde o canto da sereia vem teu sono acalentar” jamais os apoquentará.

Atente-se no encanto das ruínas que se vêem na imagem. Decoram elas as praias do “Bico da Forcada”, do “Penedo do Sol” e “Amorosa” que ladeiam, artisticamente, a avenida marginal. Lá está o monumento histórico que foi, em tempos remotos, quartel da Guarda-Fiscal. Seria um crime derrubar aquela relíquia da memória do obrigatório manifesto ( o bilhete) para que a mulher do pobre pescador pudesse vender na lota da então vila da Póvoa de Varzim, pagando o competente imposto, as fanequinhas que, até lá, carregava num cesto à cabeça , produto de um trabalho penoso, sobre todos os títulos, incluindo o constante risco do seu “home”perder a vida, quando a fome dos filhos o obrigava à ousadia de se lançar, no barquinho, ao mar, muitas vezes ainda encapelado, porque longos meses de Inverno o retinham na miséria de “não ter com que acender o lume”.

As casas abandonadas, em ruínas, muito justamente não podem ser recuperadas pelos actuais proprietários porque a Câmara Municipal oficializou a sua utilidade pública e promete indemnizar aqueles pela expropriação, com a mais valia dos juros, pelo prazo indefinido em que lhes chegará a fazer o justo ressarcimento.

Mas antes de territorialmente aqui chegarmos, vindos do sul, a partir do termo da praia da Lagoa, pela marginal, temos na praia de “Fragosinho”, contíguas ao “BAR MARIPRAIA”, as ruínas dum “secular edifício” que foi, inicialmente, armazém de apetrechos de pesca e, deixando de ter essa utilidade, passou então a ser escola primária. É de louvar a recusa da Câmara Municipal em mandar demolir aquele monumento consagrado à carinhosa memória das crianças de então, hoje cidadãos activos, mas, já a declinarem para a reforma.
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Usar um estilo irónico para fazer uma crítica, é uma maneira subtil e inteligente com maior probabilidade de se conseguir o objectivo pretendido e, se houver arte para tal, poderá criar-se um pouco de humor a provocar um brando sorriso de aquiescência da entidade ou organismo na “berlinda”. Porém, se é demasiado evidente na intenção do seu autor, perdendo todo o refinamento de dissimulação e é abertamente azeda e agressiva, então, a mesma ironia, redunda em sarcasmo não tendo por objectivo outro que não seja o de ferir mordazmente o alvo em mira.

De minha parte, o que pretendi, neste texto, não foi tão-somente definir e exemplificar a literária figura de estilo, confesso, mas obrigo-me a reconhecer que me falta o “engenho e a arte” para um mais subtil e risonho ironizar. Contudo, intenção minha, não foi utilizar o cáustico sarcasmo para ferir determinadas susceptibilidades e, à francesa, je le jure!
Dimas Maio
Nota - Não foi publicado.

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