Saturday, May 20, 2006

ISABEL A. FERREIRA DIALOGA COM LUÍSA DACOSTA (Despedida do moinho )

Excertos :
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“Regressemos a A-Ver-o-Mar e ao moinho, que, como se viu, teve uma importância primordial na vida e na obra de Luísa Dacosta. Seguindo o seu percurso bibliográfico, reparamos que as suas duas últimas publicações, À Sombra do Mar e A Maresia e o Sargaço dos Dias, ocorreram respectivamente em 1999 e em 2002, e constituíram como que um adeus àquele lugar que fora tão seu.
(...)
Aquele recanto de A-ver-o-Mar nunca mais será o mesmo sem a presença de Luísa que, pela manhã, costumava abrir a janela da terra, para que até si chegassem as vozes daquelas gentes que tanto amou, e com elas povoar a sua solidão. E, ao entardecer, a janela do mar, por onde recebia o crepúsculo, o murmurinho das águas e os seus segredos, e o canto das gaivotas , como que saudando a sua lucidez .

(...)

Adeus !
Como quem cega os próprios olhos
tinha fechado, pela última vez ,
a janela do mar.

Dos seus passos, apagados da beirada ,
nenhum sinal restava.
Podia partir
.
Só o soluço do vento e das águas
tentava caligrafar uma ausência
nos ramos do dia.”
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In À Sombra do Mar
(...)
O moinho de A-Ver-o-Mar , castelo de um reino, banhado por águas de muitas marés, lugar onde Luísa concebeu muitas das suas ilusões e afogou tantos dos seus sonhos, saíra, inesperadamente da sua vida. Este fechar a janela do mar, estes passos apagados, este soluço do vento , este adeus, foi a derradeira despedida de um lugar onde deixou o seu génio criador e a poética dos seus dias. Foi sobretudo um adeus a um lugar muito amado.”
(...)
Sem mim, depois de mim ... Eternamente. Luísa é para A-Ver-o-Mar como os rochedos das suas praias. Terá a autora a percepção plena de que se imortalizou, ao imortalizar o lugar, as gentes e o seu presente de amor, nas palavras, tão imbuídas de arte poética, que teceu ?
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... tudo o que escrevi sobre A-Ver-o-Mar foi uma necessidade de amor e uma necessidade de envolvimento com aquela gente, dando voz a umas mulheres que eram analfabetas e a voz a homens que eram analfabetos , mas que tinham uma riqueza, uma experiência de vida, umas dores e umas limitações que tentei que fossem colmatadas...

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