Friday, May 19, 2006

LÍNGUA PORTUGUESA - emprego da partícula apassivante


VOZ PASSIVA COM A PARTÍCULA APASSIVANTE
Um amigo pôs-me, num destes dias, uma questão linguística um pouco complicada para ser cabalmente esclarecida.
Disse-me que tem ouvido e também tem visto escrito, com muita frequência, as expressões alternativas: vendem-se casas/ vende-se casas; alugam-se barracas/aluga-se barracas (da praia) ; escrevem-se cartas/escreve-se cartas, etc. “Qual das duas formas estará correcta, o verbo transitivo no plural ou no singular ?”
A pergunta é bem pertinente, e, como se imagina, formulada por muitos portugueses com alguma cultura. Mas a resposta fundamentada por um raciocínio lógico e plausível não se encontra em nenhuma das gramáticas consultadas. Nestas, como código da norma da língua portuguesa , a regra geral, é da obediência à primeira versão, isto é, o verbo transitivo na terceira pessoa do plural .
Assim, deverá ser: vendem-se casas; alugam-se barracas; escrevem-se cartas, etc.Trata-se da voz passiva dos verbos que, normalmente, é formada com o verbo auxiliar ser .
Nestes casos a voz passiva é obtida com o uso da partícula apassivante se. Assim, nos exemplos acima, vendem-se casas, na voz passiva, casas são vendidas ; alugam-se barracas, equivale a dizer: barracas são alugadas; escrevem-se cartas ou cartas são escritas, etc. A gramática limita-se a referir que neste caso, o da voz passiva, com a partícula apassivante, não vem expresso o agente da passiva. E aqui é que está o busílis da questão: as casas não se vendem a si próprias; as barracas não se alugam a si próprias; as cartas não se escrevem a si próprias, etc. Na voz activa : (alguém) vende casas ; (alguém) aluga barracas; (alguém) escreve cartas, etc. É assim que entende quem opta pelo conjugação do verbo transitivo no singular: vende-se casas; aluga-se barracas; escreve-se cartas.
Só que, neste raciocínio, aquilo que se denomina partícula apassivante (se), passa a corresponder ao pronome indefinido (alguém), como acontece em francês: on vend des maisons; on loue des tentes; on écrit des lettres, etc., em que “on” é um pronome indefinido que se traduz, vulgarmente, por alguém. Peguemos num só exemplo. Consideremos, na voz activa: vende-se (aceitando se =alguém) casas. Com um pequeno desvio da norma, como acontece no português do Brasil, dir-se-ia: se vende casas. Então, sem alterar a posição dos componentes da frase bastaria substituir se por alguém.Vertamos agora para a voz passiva esta versão: vende-se casas ou alguém vende casas. Teremos então: casas são vendidas por (alguém).
O complemento directo da voz activa, casas, passa para sujeito da voz passiva e o verbo como tem de concordar com o novo sujeito vai para o plural ; o sujeito, alguém, passa para agente da passiva precedido da preposição por, . Assim, quando as gramáticas dizem que não está expresso o agente da passiva, poderá contestar-se que o mesmo é subentendido. Repare-se que o pronome, alguém, quer como sujeito na voz activa ou agente da passiva é sempre o agente da acção.
A questão posta pelo meu amigo, como disse, embaraça quem a pretenda satisfazer por escrito; de viva voz e em diálogo seria mais entendível para os correspondentes interlocutores.
Por isso, caro leitor, espero que a salada russa que me esforcei por tornar digerível não o tenha indisposto. Acredite que me preocupei com essa hipótese e temperei-a o melhor que sabia.
Recordo que, em tempos, Edite Estrela, quando se propôs, pela televisão, dar algumas lições de português, a propósito da conjugação da voz passiva dos verbos com a partícula apassivante se, a substituir o verbo auxiliar ser, disse, apenas, que o verbo transitivo devia conjugar-se no plural, a concordar com o novo sujeito da passiva e mais não esclareceu.
Por minha parte foi, aqui, minha intenção, também e apenas, tentar esclarecer as razões das duas alternativas sugeridas pelo meu amigo. Não tenho outros argumentos para contestar a regra gramatical que é posta também sem mais explicações de lógico fundamento.A gramática é o código que contem as regras para bem falar a língua portuguesa exactamente como um código de leis é para ser respeitado pelo cidadão socialmente bem integrado.
Obedeça o falante às regras da gramática e respeite o cidadão as leis do código jurídico.
..............................Dimas Maio

1 comment:

Anonymous said...

Meu caro Dimas

Os meus afazeres não me permitem disponibilidade de tempo para visitar outros blogues com a frequência que desejaria.
Tenho, contudo, a consciência de que há Amigos com os quais deveria fazer excepção, prolongando um pouco mais as minhas horas ocupadas. Entre esses tu tens, obviamente, lugar de destaque.
Tive hoje oportunidade de visitar o "Mar de Maio" e o "Flores de Maio".
Em boa hora o fiz. Foi uma muito agradável surpresa voltar aos teus blogues.
De aspecto gáfico sensivelmente melhorados, conteúdo que prende a atenção de quem lê, abordagem de temas que fazem meditar, tudo no teu trabalho merece os melhores encómios.
No "Mar de Maio" tratas, com toda a propriedade, dos interesses da tua (nossa) Aver-o-Mar" e dedicas o "Flores de Maio" à Literatura Portuguesa, com boa poesia de permeio, e ensinamentos de linguistica, em que és mestre.
Aqui te deixo um abraço de parabéns pelo belo trabalho com que me surpreendeste.