Monday, June 25, 2007

DESMORONAMENTO

mãe venho dos fundos dos tempos
das cavernas trago em mim a sede
a miséria a fome e o desespero
escorre-me viscoso das teias poeirentas
um grito magoado de tortura
inquisições calúnias cadafalsos
a peste e as vinganças a destruição e a morte
mãe sou um homem enforcado no gáudio popular
archote aceso por ignotas crenças
carrasco e réu tirano e maltrapilho
proscrito para as galeras sem culpa nem ofensas
condenado inocente por apenas ter nascido

mãe sufoco no garrote que me abafa
a revolta feroz dos oprimidos
arrasto no meu ventre a escravatura
com marcas de grilhetas e chicote
submisso ao capricho dos tiranos
que riem com desdém e crueldade
e matam por matar sem piedade

mãe venho dos fundos dos tempos
das naus dos meus senhores
a náusea e a amargura
fizeram destas mãos
o sangue com que choro e me arrepelo
fizeram desta dor
o pão que me alimenta
fizeram da impotência
o vento que me despe e despenteia

mãe eu sou escravo sou servo da gleba
sou artesão soldado sou mouro sou judeu
construo catedrais e durmo nas sarjetas
os lábios carcomidos gretados e famintos
disputando aos cães os ossos do caminho

mãe venho do fundo dos tempos
fibra a fibra me desfaço furioso
na terra ressequida
onde a cada passo tropeço enraivecido
pela minha cobardia
mãe mas ainda creio na lonjura dos poentes
no canto dos pastores na volta dos rebanhos
liturgia do tempo que teima em não morrer

mãe…
FranciscoSalgado



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A síntese da minha leitura :

Poesia é metáfora


DESMORONAMENTO é a metáfora do mundo do homem actual.

É conjugada em metáforas do ego, do sentir do poeta, alma angustiada
que grita , em silêncio , pela mãe , origem do ser que teme a ruina total,
mas crê ainda no regresso aos tempos primitivos de sua memória
dimasmaio

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